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Brasília - Com o voto de
minerva do decano, ministro Celso de Mello – que durou duas horas e cinco
minutos, mas já estava explícito aos 50 minutos de sua leitura - o plenário do
Supremo Tribunal Federal concluiu, nesta quarta-feira (18/9), serem cabíveis os
chamados embargos infringentes, que podem – quando forem julgados no mérito -
levar à revisão das penas de 12 dos 25 condenados que obtiveram, pelo menos,
quatro votos por sua absolvição (num determinado crime) no julgamento
propriamente dito.
Tal decisão só poderá vir a
beneficiar quatro réus com a “progressão” do regime de prisão fechado para o
semiaberto ou domiciliar. No primeiro caso, José Dirceu, Delúbio Soares e João
Paulo Cunha. No segundo caso, José Genoino, que já goza do direito ao regime
semiaberto, mas pode passar para o de prisão domiciliar. Ao fim do seu voto,
Celso de Mello afirmou que o STF estava “prestando reverência ao seu
compromisso de respeito às garantias fundamentais”, e que a Corte agia “de
forma isenta”. E concluiu: “Reconheço a importância do debate judicial que se
estabeleceu nesta Corte. Mas a mera existência dessa profunda divisão no seio
do Supremo está a recomendar, num julgamento penal em instância única, a
admissibilidade dos embargos infringentes”.
Os embargos infringentes
Celso de Mello – como já tinha
dado a entender - ressaltou que todos os regimentos internos do STF, até o
atual (artigo 333), sempre previram a oponibilidade do recurso de embargos
infringentes. Admitiu haver oposição a este tipo de recurso, citando até
Pontes de Miranda. Mas lembrou que o próprio projeto do novo Código de
Processo Civil, em tramitação no Congresso, manteve essa possibilidade,
apesar de a Lei 9.038/90 (regulamentação dos recursos cabíveis em ação
penal no STF) não ter a ela se referido explicitamente.
“Sob tal perspectiva, tenho
para mim – na linha do voto que proferi em 2/8/2012, em julgamento
de questão de ordem nesta ação penal - que ainda subsistem, no âmbito STF,
nas ações penais originárias, os embargos infringentes. O recurso não
sofreu revogação tácita ou mesmo indireta pela Lei 9.038/90 de 1990”,
afirmou o decano do STF, o último a votar, que desempatou o placar de 5
votos a 5 a que se chegou na sessão de quinta-feira da semana passada. Em
síntese, ele repetiu o que estava no seu voto anterior:
“É por isso que entendo, não
obstante a superveniente edição da Lei 8.038/90, que ainda subsiste, com
força de lei, a regra consubstanciada no artigo 333, I, do Regimento
Interno do Supremo Tribunal Federal, plenamente compatível com a nova
ordem ritual estabelecida para os processos originários instaurados
perante o STF”.
Ainda de acordo com o voto do
ministro Celso de Mello, “a norma inscrita no artigo 333 do RISTF,
portanto, embora impregnada de natureza formalmente regimental, ostenta,
desde a sua edição, o caráter de prescrição materialmente
legislativa, considerada a regra constante do artigo 119, parágrafo 3º,
letra ‘c’ da Carta Federal de 1969. Com a superveniência da Constituição
de 1988, o artigo 333 do RISTF foi recebido, pela nova
ordem constitucional, com força, valor, eficácia e autoridade de lei, o
que permite conformá-lo à exigência fundada no postulado da reserva
de lei”.
Assim, só o Congresso
Nacional, mediante nova lei formal, poderia ter retirado do universo
jurídico o cabimento dos embargos infringentes em ação penal.
“Clamor público”
Logo no início do voto – um
longo preâmbulo de mais de meia hora - Celso de Mello disse que o
adiamento da conclusão da análise do cabimento ou não de embargos
infringentes em ação penal no foro do STF teve o “efeito positivo” de ter
feito com que ele pudesse “aprofundar a minha convicção”, já exposta em
voto anterior, no ano passado – e que foi favorável ao acolhimento desse
tipo de recurso. Reafirmou que o seu voto já estava pronto há mais de uma
semana.
Ele lembrou uma feliz
coincidência: “Há 67 anos, no dia de hoje, uma quarta-feira também, foi
promulgada, no Rio de Janeiro, a Constituição Federal de 1946, que
restaurou a liberdade no nosso país”, E referiu-se ao discurso feito pelo
então presidente do STF, José Linhares, congratulando-se com a promulgação
da nova Carta. Sublinhou que a divisão do STF (5 votos a 5) na votação
deste julgamento mostra que a matéria merecia especial atenção, embora
o plenário não possa se submeter “ao clamor popular, às
paixões exacerbadas das multidões”, em face da legitimidade do
Poder Judiciário .
“O que mais importa neste
julgamento é a preservação do compromisso institucional desta Corte com o
respeito incondicional ao devido processo penal. Ou seja, o estatuto do
direito de defesa, prerrogativa de quem ninguém pode ser privado, embora
se revele antagônico com o sentimento da coletividade” – afirmou o decano
do Supremo.
Ele acrescentou que “o
processo penal e os tribunais são o espaço institucionalizado de defesa e
proteção dos réus contra excessos de maiorias eventuais”. Assim, “o
tema da preservação dos direitos dos que sofrem persecução criminal deve
compor a agenda permanente desta Corte Suprema, que deve velar pela
supremacia da Constituição”.
“Os juízes não podem se deixar
contaminar por juízos paralelos resultantes de manifestações da opinião
pública que objetivem condicionar a manifestação de juízes e tribunais.
Estar-se-ia a negar a acusados o direito fundamental a um julgamento
justo. Constituiria manifesta ofensa ao que proclama a Constituição e ao
que garantem os tratados internacionais” – proclamou o ministro.
Votos anteriores
Nas sessões anteriores, os
cinco ministros que tinham votado pelo acolhimento dos infringentes foram
Luís Roberto Barrroso – que abriu a divergência contra o voto do relator
Joaquim Barbosa – Teori Zavascki, Rosa Weber, Dias Toffoli e Ricardo
Lewandowski.
Além de Barbosa, votaram
contra o cabimento de tais recursos, além de Barbosa, os ministros Luiz
Fux, Cármen Lúcia, Gilmar Mendes e Marco Aurélio.
Às 16h50, o ministro Celso de Mello
continuava a proferir o seu longo voto, com várias citações não só
jurídicas como históricas.
Mérito vai demorar
De acordo com o Regimento
Interno do STF, acolhidos que foram os embargos infringentes, outro ministro
será escolhido para relatar a nova fase do julgamento. Joaquim Barbosa e
Ricardo Lewandowski, relator e revisor da ação penal, respectivamente, não poderão
relatar os recursos de dois réus que pediram os embargos infringentes, o
ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares e ex-deputado federal (PP-PE) Pedro Corrêa.
Estes pedidos – apresentados em agravos regimentais – foram os responsáveis
pela decisão desta quarta-feira, no sentido de que são admissíveis embargos
infringentes em ação penal originária do STF.
Os demais réus só poderão
entrar com novo recurso caso seja publicado o acórdão da decisão desta
quarta-feira. A previsão é que o documento seja publicado, mais ou menos, ao
fim de 60 dias. Ou seja, lá para novembro.
A partir de então, os
advogados terão 15 dias para entrar com os embargos infringentes. Ainda existe
a possibilidade de o prazo passar para 30 dias, conforme pedido das defesas.
Neste caso, o plenário terá até a segunda quinzena de dezembro para analisar a
questão. Depois desse, começa o recesso de fim de ano do STF, e as atividades
serão retomadas em fevereiro do próximo ano.Ou seja, o mérito dos embargos
infringentes só deverá mesmo ser julgado no início de 2014. (JORNAL DO BRASIL).
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